domingo, 28 de março de 2010

O SORRISO E A PITANGA

No comecinho da tarde não havia mais chuva, o tempo abriu e decidi passear. Parei na praça, com o livro que nunca leio na rua embaixo do braço. É um livro com cara de praça, de meio da tarde de sábado tranquila e serena. Provavelmente acabarei a leitura sob meu teto antes que eu leia qualquer coisa dele na rua. Pois sentei num bom banco sombreado e mirei o livro. Então um amigo parou e chorou pitangas. Pitangas por pitangas, argumentei que as minhas também eram amargas. Contrariado mas obrigado a concordar, se foi. Abriu seu comércio que ficava logo ali, na fronteira norte da praça. Uma criança de uns quatro, cinco anos chutou uma bolinha na minha direção, e a chutei de volta. Ele riu e me chutou novamente a bola. Chutei-a um pouco mais à esquerda, pra vê-lo caminhar um pouco mais atrás dela. Então sua jovem e gostosa mãe me sorriu burocraticamente e o recolheu, e recolheu também a bola do molequinho. Sobre os ombros da progenitora, me sorriu e abanou um sincero e inocente tchau, que retribuí com sinceros e encantados tchau e sorriso. Que bom menino, e que gostosa mamãe. Quando novamente abri o livro pelo marcador, aquele meu amigo passou ao largo, e acenei com sincera cordialidade e honesta simpatia. Ele fez que não viu, depois encarou. E então cuspiu arrogantemente e partiu. Lamentei que a pitanga que antes chorava fosse amarga demais para seu paladar, a ponto de fazê-lo cuspir daquela maneira. Fechei o livro que mal abri e rumei pra casa, onde cuspiria minhas pitangas amargas e terminaria de ler o livro leve que deveria ser lido na praça. Fui-me sorrindo, lembrando do sorriso honesto daquele molequinho boleiro cuja mãe era muito gostosa.

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