domingo, 4 de abril de 2010

O AMOR, SEGUNDO 2112/1976/YYZ-81

VONNEGUT ClearMind Freeware recupera e publica:
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Fragmento dos registros deixados pelo interno 2112/1976/YYZ-81:
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Francamente, não há nada mais detestável que amar francamente. Nenhum amor franco é correspondido de verdade, salvo o de mãe. Como bem notou alguém que amo francamente. Fora isso, amarás francamente ou serás amado francamente, mas raramente tais circunstâncias coincidem. Alguns dirão que conhecem amores francos. Que vivem amores francos. Essas situações existem mesmo. Honestos, crentes, cruéis, iludidos. O amor não poupa ninguém e cobrará seu preço, sem escolher lado. Castiga e castigará a todos, cedo ou tarde. Quero fazer notar que falo do tal amor, não das atitudes estúpidas que se cometem em nome de algo que, quando acontecem, já não mais existe. Falo do amor e do amar, mesmo. Amemo-nos falsamente uns aos outros para que possamos nos detestar carinhosamente. Mas se descobre, se revive, aquele bom amor por alguém que parecia merecer tal amor. Bobagem, pode ser que se viva uma epopéia amorosa, não é? Mas, por conta disso, tal epopéia transforma-se em remendos degradantes e conversas detestáveis. Ou coisa pior. Essa foi uma especulação tola, claro. Amores francos não chegam a esse ponto, quando quase coincidentes. Não me falem em baleias, camada de ozônio, de que cigarro faz mal, ou qualquer outra coisa detestável. Não há nada mais detestável do que amar francamente. As mulheres que magoei por amarem-me francamente e as que me magoaram por tê-las amado francamente sabem – ou deveriam saber – disso. Considero isso detestável, principalmente depois de dar-me conta de ter finalmente amado absurdamente e francamente e descoberto a bobagem que tinha feito. De novo. Ah... Não faça essa cara irônica, você aí. Recolha esse sorriso cético. Sabes bem do que falo, leitor hipócrita. Se não sabes, vá rindo. Tua hora há de chegar. Preste atenção.
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É possível que outros textos do interno 2112/1976/YYZ-81 sejam apresentados, após restauração.

Um comentário:

  1. Bem escritinho o texto... O final lembra o diálogo do Machadão com o leitor de Memórias Póstumas. O texto em si me fez lembrar daquela crônica do Paulo Mendes Campos, O Amor Acaba. E acaba mesmo, eu que o diga... Mas tenho opinião diferente da sua: o amor só pode ser franco, direto, aberto, intenso e volumoso, senão não tem graça. Que se foda o sofrimento. Disso a gente cuida depois.
    Vem.

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